Siga-nos:
Artigos Destaque

Para início de conversa: o cuidado como critério de noticiabilidade

 Ao se deparar com um novo fato, o primeiro instinto de um jornalista observador é questionar como transformá-lo em notícia. Relevância, proximidade, atualidade e influência são os critérios de noticiabilidade que nos são ensinados a analisar, mas podemos ir além. Se aqui falamos de cuidado e sua relevância, nada mais justo que considerar o cuidado como um critério de noticiabilidade.

 Essa percepção não se limita ao trabalho de cuidado invisível, realizado majoritariamente pelas mulheres e tema central deste portal. Podemos ir além, como o jornalismo sempre pode, e analisar toda uma gama de notícias e informações por essa perspectiva, tecendo questões e pensando: onde o cuidado está inserido aqui?

  Quando noticiamos a realidade de uma mãe solo, um hospital público não entregue ou o derretimento das geleiras, é do cuidado e de sua ausência que falamos. Acreditando que o jornalismo tem potencial transformador, destacar o lugar do cuidado no mundo pode fomentar um debate ainda mais amplo sobre avanços sociais, políticas públicas e, claro, sobre se importar.

   Joan Tronto, que inspirou todo esse trabalho, na obra “Limites morais: um argumento político sobre a ética do cuidado” (ou “Moral Boundaries: A Political Argument for an Ethic of Care”, 1993), categoriza o cuidado em quatro fases: “caring about”, ou se preocupar; “taking care of”, ou cuidar de algo; “care-giving”, ou oferecer cuidado; e “care receiving”, ou receber cuidado. Aqui, vamos focar na primeira fase.

   Tronto explica que se preocupar envolve reconhecer a necessidade de cuidar de algo ou de alguém. Reconhecer uma necessidade e perceber que esta precisa ser atendida envolve assumir a posição do outro, ou seja, a empatia contida em uma pergunta: o que eu posso fazer para ajudar a cuidar dessa realidade?

    E o que nós, jornalistas, podemos fazer, é transformar o cuidado em um critério de noticiabilidade. É analisar onde o cuidado (ou a sua ausência) se encontra no cotidiano. Notícias que revelam as lutas, problemas e conquistas de quem cuida de algo ou de alguém podem aumentar a conscientização sobre a importância de uma distribuição mais equitativa das responsabilidades de cuidar, e podem ajudar a cobrar a efetivação do cuidado: seja com as mulheres, as crianças, a diversidade, o meio ambiente, os movimentos migratórios, os refugiados, a cidade…

   O cuidado enquanto critério de noticiabilidade não busca apenas informar, mas também motivar a participação ativa e o engajamento do público, mirando em atingir o reconhecimento de que o cuidado é tão diário quanto um “cafezinho” na vida dos brasileiros.

   É claro que é necessário rever costumes, políticas e atitudes, sociais e legais, para ampliar o cuidado. O jornalismo não pode salvar o mundo sozinho, mas pode ser catalisador para a mudança. Incorporar o cuidado na agenda de noticiabilidade não é apenas uma perspectiva; é um avanço. Convido os colegas para essa iniciativa.

Carol Leal é repórter e idealizadora do CuidaDelas – Curadoria Jornalística do Cuidado, Trabalho de Conclusão de Curso realizado para a graduação em Comunicação Social – Jornalismo pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). 

 

Você também pode gostar

Destaque Notícias

[Think Olga] Como podemos visibilizar o trabalho invisível das mulheres na economia do cuidado?

Como podemos visibilizar o trabalho invisível das mulheres na economia do cuidado? A economia do cuidado é essencial para a
Artigos

A importância de cuidar de quem cuida

Por Beatriz da Costa Rimes Thedin Quando falamos em cuidador, logo pensamos em uma pessoa que cuida da outra e